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Minuto da Semana
(A banalidade do mal)
Olá pessoal, Nesta edição do "Minuto da Filosofia", vamos analisar o intrigante conceito de "banalidade do mal", explorado pela filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975). Ela dedicou sua vida à investigação aprofundada da política, filosofia e teoria social. Sua contribuição notável para o pensamento contemporâneo inclui o livro "Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal", publicado em 1963.
Antes de explorar o tema proposto, é relevante diferenciar a "banalidade do mal" de Hannah Arendt do "mal radical" à luz da filosofia de Immanuel Kant. A "banalidade do mal" de Arendt se concentra na possibilidade do mal emergir da conformidade não questionada, que é exatamente o assunto que vamos nos debruçar abaixo, já o "mal radical" de Kant aborda a inclinação inata do ser humano para agir de maneira contrária à moralidade, independentemente de circunstâncias externas. Trata-se de um mal, do latim "radix", que quer dizer raiz, portanto um mal radicado no sujeito. Em uma outra oportunidde tratarei desse conceito com mais aprofundamento, mas por ora vamos nos ater à banalidade do mal. Vamos para a leitura, está bastante didática. 📚
Banalidade do mal
Desde as Origens do Totalitarismo (obra publicada em 1951), a filósofa alemã dedicou-se à análise desse fenômeno complexo. Em 1961, dirigiu-se a Jerusalém para testemunhar o julgamento do algoz alemão Adolf Eichmann, figura ativamente envolvida no extermínio dos judeus durante o regime nazista. Suas impressões e reflexões sobre esse caso foram minuciosamente registradas no livro "Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal," publicado em 1963.
A questão fundamental que a filósofa colocou foi o contraste entre a figura aparentemente comum e equilibrada de um homem que, no entanto, perpetrara tantas atrocidades. O que levaria indivíduos aparentemente desprovidos de qualquer inclinação para o horrível se envolverem em uma política que exigia obediência absoluta? O que os impelia a seguir tais ordens? Arendt acreditava que essas pessoas pertenciam às massas politicamente neutras e, muitas vezes, indiferentes, formando a maioria. Isso, por si só, não seria suficiente para desencadear o totalitarismo. Contudo, a situação mudava quando essas pessoas se viam pressionadas por crises econômicas, como inflação e desemprego. Nessas circunstâncias, mesmo não sendo politicamente comprometidas, tornavam-se insatisfeitas e caíam na desesperança quanto ao futuro.
Segundo Hannah Arendt, compreender essa condição é fundamental para o surgimento do "homem de massa" na Europa.
A principal característica do homem de massa não é abrutalidade nem a rudeza, mas o seu isolamento e a sua falta de relações sociais normais [...]
Os movimentos totalitários são organizações massivas de indivíduos atomizados e isolados. Distinguem-se dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: imperialismo e totalitarismo. São Paulo: Companhia da antissemitismo Letras, 1999. p. 366; 373
Nesse contexto, Hannah Arendt introduziu o conceito de "banalidade do mal". Sua intenção não era de maneira alguma negar a gravidade do crime cometido ou minimizar o horror do Holocausto, tampouco considerar o mal como banal em si mesmo. Pelo contrário, Arendt buscava evidenciar que o mal, apesar de sua natureza profundamente impactante, poderia se manifestar de maneira aparentemente comum. No caso de Eichmann, este cumpria suas ordens como um funcionário dedicado, submisso de forma absoluta a valores externos que nunca questionava.
Arendt sugeria que, quanto menos politizados e críticos forem os indivíduos, mais propensos estão a se submeter completamente a regras cujos fundamentos não buscam compreender. A "banalidade do mal" reflete a ideia de que atos horrendos podem ser realizados por indivíduos aparentemente comuns quando se entregam de maneira acrítica a sistemas e ordens estabelecidas, sem questionar ou refletir sobre suas implicações éticas.
Regimes autoritários
Regimes autoritários frequentemente são erroneamente confundidos com governos totalitários. O que ambos compartilham é a restrição das liberdades individuais em nome da segurança nacional, a utilização de extensa propaganda política, a prática de censura e a presença de um aparato repressivo ativo.
No entanto, nos regimes autoritários, não há uma ideologia fundamental orientando "a construção da nova sociedade", tampouco uma mobilização popular significativa para sustentá-los. Ao contrário, em vez de promover a doutrinação política e incentivar um engajamento, mesmo que dirigido, esses regimes tendem a favorecer a despolitização, o que resulta na apatia política. Mesmo assim, o clima de repressão violenta cria um ambiente de medo, desencorajando qualquer atividade política independente.
Em muitos casos, os governos autoritários procuram manter uma fachada democrática, permitindo a existência de partidos de oposição que, no entanto, atuam apenas de forma nominal. O partido governante muitas vezes figura como um mero apêndice do Poder Executivo, contribuindo para a ilusão de um sistema democrático, enquanto, na prática, a governança centralizada e o controle autoritário prevalecem. Ilegalidades são cometidas, a Constituição do país é diuturnamente rasgada, mas sempre sob a narrativa, sob o verniz de DEFESA DA DEMOCRACIA.

Filósofa Hannah Arendt
Agora é hora de refletir
Arendt não buscava negar a monstruosidade dos atos cometidos, mas sim destacar que o mal pode se manifestar de maneira comum, quase rotineira, quando as pessoas se entregam cegamente a sistemas e autoridades, abdicando de sua responsabilidade moral. Eichmann, segundo Arendt, não era movido por uma maldade extrema, mas sim por uma absoluta obediência burocrática e em conformidade com uma ideologia desumana.
Em nossos afazeres cotidianos, é absolutamente necessário não negligenciarmos a nossa régua moral, para que não corramos o risco de cometer atos imorais e ilegais em meio a uma obediência cega e desprovida de questionamentos. A banalidade do mal, como elucidada por Hannah Arendt, ressalta a importância de mantermos uma consciência crítica em todas as esferas de nossas vidas. Ao seguirmos ordens ou diretrizes sem questionar, podemos inadvertidamente contribuir para situações prejudiciais e injustas. A história nos ensina que a obediência absoluta, sem uma avaliação ética das circunstâncias, pode abrir caminho para a perpetração de atos condenáveis. Portanto, é vital cultivar a reflexão constante sobre nossas ações, considerando o impacto ético e legal de nossas escolhas. A banalidade do mal nos adverte contra a complacência e a submissão acrítica a sistemas que possam conduzir a comportamentos prejudiciais. Manter uma bússola moral sólida implica questionar, avaliar e, quando necessário, resistir a práticas que vão de encontro aos princípios éticos que orientam nossas vidas.
Texto publicado em: 06 Jan 2024.